quarta-feira, 30 de março de 2011

"Ele exagerou"...como mascaram o medo e a ansiedade frente ao perigo.

Parte do texto  item 2.3.3" Riscos e sofrimento mental do trabalhador",
do Livro -Embargo e Interdição da SEGUR/RS,páginas 79 e 80.
onde entende-se em parte a atitude destemida e "machista" de trabalhadores
frente à Segurança do Trabalho e suas normas, principalmente no setor da
Construção Civil.

"Também chama a atenção a ideologia defensiva funcional que tem como objetivo mascarar,conter e ocultar uma ansiedade particularmente grave.Tal ideologia age como um mecanismo de defesa elaborado por um
grupo social em particular, tendo como especificidade o conjunto dos trabalhadores da construção civil.A
especificidade da ideologia defensiva da vergonha resulta da ansiedade a conter, do medo a superar, ao
executar atividades em telhados, sobre andaimes suspensos e em outros locais elevados.Não raras vezes
o batismo de trabalhador recém ingresso nesse ramo de atividade é a sua rejeição ao uso de equipamentos de proteção individual, tentando provar que não tem medo, pois seria vergonhoso assumir tal angústia no  exercício do trabalho perigoso.
Daí os riscos que decorrem em consequências mais ou menos graves no plano concreto: resistência às pro-
teções, recusa de aceitar ordens de serviço, descumprimento de normas..."

"Porém a atitude de desprezo dos trabalhadores pelo risco não pode ser tomada ao pé da letra, pois a igno-
rância e a inconsciência em relação ao risco são apenas uma fachada. Não podemos admitir sem questionar
que os empregados da construção civil sejam, de algum modo, os mais ignorantes sobre os riscos que eles próprios enfrentam. Na verdade, pesquisas mostram que essa fachada pode desmanchar-se e deixar emergir uma ansiedade imprevista e dramática.A vivência do medo existe diariamente, porém raramente aparece à
superfície, pois encontra-se contida, no mínimo, pelos mecanismos de defesa.
Assim, se o medo não for "neutralizado", os trabalhadores não poderão continuar suas tarefas por muito tempo mais. A consciência aguda do risco de acidente, mesmo sem maiores envolvimentos emocionais, obri
garia o trabalhador a tomar tantas preucauções individuais que ele se tornaria ineficaz do ponto  de vista de produtividade. Para alguns, a avaliação e o dimensionamento correto do risco na construção civil impediriam completamente o trabalho.
Por isso, as atitudes de negação e desprezo pelo perigo são uma simples inversão da afirmação relativa ao risco.Conjurar o risco exige sacrifícios e provações.E é pro isso que os trabalhadores às vezes acrescentam ao risco do trabalho o risco de performances pessoais ou de verdadeiros concursos de habilidade e bravura.
Criar uma situação e agravá-la é, de certo modo, dominá-la.Este estratagema tem uma valor simbólico que afirma a iniciativa e o domínio dos trabalhadores sobre o perigo, não o inverso. Portanto, essa fachada de
pseudo-inconsciência do perigo resulta, na realidade, de um sistema defensivo destinado a controlar o medo.
A eficácia simbólica dessa estratégia defensiva somente é assegurada pela participação de todos.Ninguém
pode ter medo.Ninguém deve demonstrá-lo.Ninguém pode ficar à margem desse "código profissional".
Ninguém pode recusar sua contribuição  individual para o sistema de defesa.Nunca se deve falar em perigo, risco,acidente,nem do medo de cair, ou de explodir a fábrica...Pois os trabalhadores não gostam de ser lembrados do que tão penosamente procuram exconjurar.
Daí a resistência de alguns trabalhadores às campanhas de segurança, pois eles sabem que as rédeas da segurança(e inclusive o uso de EPI) não evitarão todos os acidentes.Obrigar a que as coloquem é, antes de tudo,relembrar-lhes que o perigo existe mesmo e, ao mesmo tempo, tornar-lhes as tarefas ainda mais difíceis, pois mais carregadas de ansiedade.
Essa ideologia necessita de sacrifícios e mártires."Se ele morreu porque queria,procurou isto.Exagerou!
Ora, isso permite, sobretudo, que os outros trabalhadores pensem que não querer é o suficiente para não ser vítima, uma fórmula altamente capaz para se acalmar do medo...Se um trabalhador não consegue incorporar a ideologia defensiva de sua profissão num canteiro de obras, por conta própria, se não consegue superar a sua própria apreensão, será obrigado a parar de trabalhar e procurar outro ramo de atividade econômica.Seu grupo profissional, armado da ideologia defensiva, elimina aquele que não consegue suportar o risco."

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