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Dez fatos e mitos quanto ao risco ergonômico - Hudson de Araújo Couto*
A definição quanto à existência ou não de risco ergonômico é um dos pontos mais atuais e importantes da prática da Medicina do Trabalho e da Ergonomia. Isso porque, em tempos de nexo técnico presumido, para a grande maioria das empresas é previsto que a grande parte das doenças e lesões do sistema músculo-esquelético será automaticamente considerada como causada pelo trabalho; e os afastamentos dessa natureza representam nada menso que 60% a 70% de todas as ocorrências que tiram o trabalhador de sua atividade por mais de 15 dias. Assim, diante de um caso de um trabalhador afastado por transtorno musculoligamentar, a equipe de medicina do trabalho terá sempre a seguinte pergunta: há realmente um risco ergonômico que justifique o enquadramento automático do caso como decorrente do trabalho? Caso haja, não haverá o que discutir em relação ao nexo técnico presumido, sendo aplicáveis todas as medidas e direitos decorrentes desse nexo; caso não haja, caberá à empresa recorrer junto à prevideência social e reverter o caso para afastamento não ocupacional. Portanto, o ponto chave da conduta é a definição quanto à existência ou não do risco ergonômico. E esse ponto de decisão contém algumas questões sutis, que necessitam ser esclarecidas.
Ninguém tem dúvida em situações óbvias. As dúvidas aparecem em trabalhos de manufatura, onde as pessoas se envolvem com movimentos repetidos muitas vezes durante a jornada; e também no trabalho comum em escritóriso ou atividades de tele-atendimento, onde ocorre uma tendência à generalização do risco.
Trabalhos com esforços muito intensos costumam ser de alto risco ergonômico - FATO
Não há qualquer dúvida quanto à existência de risco entre trabalhadores envolvidos em carregamento de sacas de mantimentos ou de cimento de 50 a 60 kg, mesmo que ocasional (mesmo em indivíduos fortes). Também não há dúvida quando as pessoas tem de que fazer esforços críticos, de alta exigência, especialmente relacionados a esforços para a coluna vertebral. Outros profissionais como mecânicos envolvidos em atividades de alta exigência sem as ferramentas para tal. Também aqueles que trabalham por tempo prolongado em ambientes muito quentes. Nesses casos, a sobrecarga biomecânica ou fisiológica acima dos limites de tolerância das estruturas orgânicas é o fator determinante do risco.
A repetição de um mesmo padrão de movimento se constitui em risco ergonômico - MITO
Os estudos científicos são bem conclusivos quanto ao papel patogênico da repetição de um mesmo padrão de movimento, em alta velocidade e por jornadas prolongadas. Essa tríade eu a denomino de repetividade patogênica. Ela pode ficar bem caracterizada para o leitor ao abordarmos a repetição não patogênica.
Não é patogênica a repetição em que o trabalhador tem os tempos corretos de recuperação de fadiga, estudados por técnicas científicas. Tampouco é patogênica a repetição em velocidade normal a baixa; ou quando há rodízios adequados. Em empresas, é muito comum que, mesmo sem haver rodízio entre tarefas,o trabalhador tenha um período longo de uma atividade complementar, de exigência diferente. Por exemplo, numa situação em que, embora não haja rodízio na tarefa, ao final de um certo número de peças produzidas, o trabalhador sai daquela posição e dirige-se para outra máquina onde faz uma operação complementar naquele conjunto de peças previamente trabalhadas. Outra situação de repetividade não patogênica é quando a tarefa tem , em si, tempos de pausa curtíssima suficientemente longos para permitir o repouso. Ou quando existe uma concessão significativa em termos de tempo para preparar a produção ou para finalizá-la.A chance de uma repetição de movimentos ser caracterizada como patologia é também menor quando há boa postura do corpo ao executar o trabalho, quando existe pouca força, quando há pouco esforço estático e quando a carga mental é razoável.
Mas em certas condições a repetição de um mesmo padrão de movimento se constitui em risco ergonômico - FATO
Assim, é nitidamente patogênica a repetividade em que o trabalhador tem ritmo muito forçado, quando não faz rodízio de movimentos e mantém o mesmo padrão durante toda a jornada, quando faz horas extras nessa atividade e quando há ainda fatores biomecânicos complicadores, como força excessiva, desvios posturais, postura estática e alta carga mental na atividade. E quando não tem as necessárias pausas de recuperação.
Ciclos menores que 30 segundos são de risco ergonômico - MITO
Caso no ciclo existam os mecanismos de regulação, especialmente as pausas curtíssimas suficientes, não haverá risco.
Mas ciclos muito curtos tem maior chance de apresentar risco ergonômico - FATO
No caso de ciclos menores que 10 segundos, é muito pouco provável haver pausa curtíssima suficiente. Nesses casos, antes de afirmar existir o risco ergonômico, é fundamental checar se há ou não rodízios eficazes e se há ou não tempo de recuperação de fadiga.
Um trabalho repetitivo, em condições bem gerenciadas, pode não ter risco ergonômico;a mesma realidade biomecânica, mal gerenciada, pode ser de risco ergonômico - FATO
Definimos organização do trabalho como o conjunto de planos administrativos visando atingir as metas estabelecidas. Ela se constitui num somatório de 9 letras, mnemonicamente fáceis de serem guardadas:
1T e 8M (tecnologia,maquinário,manutenção,matéria-prima,material,método,recursos do meio ambiente,mão-de-obra e money).Quaisquer disfunção importante em algum desses componentes pode resultar em risco ergonômico. Por exemplo, guidões de paleteiras elétricas sem manutenção podem resultar em grande esforço físico para os braços do trabalhador e, consequentemente, lesão ergonômica. Outro exemplo, aumentar as metas sem considerar a capacidade das equipes costuma resultar em aceleração dos processos produtivos, horas extras e, portanto, aparecimento de risco ergonômico onde previamente não existia. Sutil? Muito!
O trabalho em escritório costuma ter muitos fatores de risco ergonômico - FATO
O risco pode ser caracterizado em situação de desajustes biomecâmnicos bastante significativos. As condições mais frequentes são : cadeiras e assentos muito ruins, mesas impróprias para a atividade gerando má condição biomecânica, quina viva em mesa de trabalho, uso inadequado do notebook, diretamente sobre a mesa com encurvamento da coluna e telefone preso ao pescoço enquanto se trabalha. Além disso,
costuma haver risco ergonômico em situações de alta carga mental.
As questões relacionadas ao desconforto térmico, desconforto acústico e má iluminação , fugindo dos parâmetros fixados pela NR17, devem ser consideradas como causadoras de desconforto, dificuldade ou fadiga, não se constituindo em risco.
Trabalhos de alta carga mental são sempre de risco ergonômico - MITO
Trata-se de uma questão complexa. A ISO desenvolveu em sua norma sobre o assunto (Norma 10.175 -1991 a 2004) um modelo em que as seguintes características do trabalho podem ser consideradas causadoras de carga mental: exigências de tarefa (atenção prolongada, processamento de informação, responsabilidade, padrões temporal e de duração da jornada de trabalho, conteúdo da tarefa e perigo),
condições físicas do ambiente (iluminação, condições climáticas, ruído, tempo e odores), fatores sociais e organizacionais ( tipo de organização, clima organizacional, fatores do grupo, liderança , conflitos, contatos sociais) e fatores externos ( demanda social, padrões culturais e situação econômica ). Segundo o mesmo modelo, características pessoais diversas são capazes de modificar a relação de estresse e de carga mental diante das exigências do trabalho, sendo relacionadas as seguintes: nível de aspiração, auto-confiança, motivação, atitudes, capacidade de lidar, habilidades, qualificações, conhecimento, experiência, condição geral de saúde, constituição física, idade, estado nutricional e niível de ativação inicial.
Conformem se pode perceber desse modelo, não há regra fixa, e uma situação que poderia trazer sobrecarga mental para uma pessoa pode ser atém mesmo motivo de desafio e auto-desenvolvimento para outra. Apesar dessa dificuldade, diversos autores concordam que a carga mental tem um potencial patogênico nas situações de muitos prazos-limites apertados, em casos de falta de controle do indivíduo sobre o resultado de seu trabalho, com possíveis consequências graves, e nas situações em que se deixam pontas mal finalizadas, com possíveis consequências importantes, tal como reparos feitos sem a precisão final necessária em situação de risco - ex. mecânico de uma aeronave que tem que colocar uma peça fora da especificação.
Seria caracterizado o risco ergonômico por carga mental quando uma porcentagem importante de trabalhadores daquela atividade esteja apresentando sintomas de transtornos mentais, comparados a outros grupos de outras funções. Essa diferença deve ser demonstrada por teste estatístico (quiquadrado, razões de chance e outro).
Isso nos remete, por fim, à conclusão de que existir ou não o risco ergonômico por sobrecarga mental não está relacionado a um tipo de estabelecimento ou um tipo de atividade.
Trabalhar em call-center é de alto risco ergonômico - MITO
Embora na atividade de call-center exista uma série de itens causadores de estresse e carga mental, é um sofisma fazer a generalização de que trabalhar em call-center é igual a sofrer de estresse e sobrecarga mental.
Em alguns call-centers costuma existir os três fatores mais implicados em sobrecarga mental acima citados:
controle rígido sobre o tempo e resultados, falta de controle sobre as reclamações dos clientes e não conclusão do processo, gerando pontas. Mas também é verdade que há call-centers bem gerenciados, com bom ambiente de trabalho, feedback bem feito, meritocracia, melhoria gradativam dos sistemas, pausas, treinamento bem feito dos novatos e ações efetivas visando facilitar o trabalho dos atendentes.
Assim, a existência ou não de risco ergonômmico em call-centersm está relacionada mais à qualidade da ação gerencial: naqueles bem administrados, trabalha-se num nível de tensão correto, sem sobrecarga. Nos mal gerenciados, é comum haver alta frequeência de adoecimento por transtornos mentais.
Posso fazer a definição do risco ergonômico com base em check-list - MITO
Numa análise ergonômica, os check-lists são ferramentas complementares e não deveriam ser usados como ferramentas únicas. Qual é sua grande limitação com esse intuito? É que eles em geral não medem a existência ou não de mecanismos de regulação.
CONCLUSÃO
Uma das características mais marcantes do risco ergonômico é a sua oscilação dependente da realidade de momento de uma determinada empresa. Assim, é possível que, em determinado mmmmomento não haja um risco ergonômico e em outro momento, poucos dias após, já exista o risco. Ou o contrário. Também depende do tipo de produto, de haver produções mais fáceis ou mais difíceis; de haver uma coleção de verão ou de inverno na indústria de confecções; e assim por diante.
Estar atento a todos esses detalhes e sutilezas é função do especialista interno em ergonomia, por isso tem a ver diretamente com o reconhecimento ou não do risco por ocasião de um afastamento médico.
De qualquer forma, uma boa orientação para o leitor é saber que os fatores que mais determinam risco ergonômico são: a intensidade de um determinado fator, a frequência do exercício dessa ação técnica ao longo da jornada e a taxa de ocupação. E um dos melhores meios de detectar o impacto desses fatores é a prática da ferramenta intitulada censo de ergonomia, que se constitui basicamente em perguntar a todos os trabalhadores por ocasião da revisão periódica: você considera que no seu trabalho há algum fator que lhe cause desconforto, dificuldade ou fadiga?
A análise estatística das respostas pode orientar muito para a caracterização ou não do risco ergonômico.
"Os três principais fatores determinantes do risco ergonômico são:
- INTENSIDADE DA EXIGÊNCIA;
- FREQUÊNCIA;
- TAXA DE OCUPAÇÃO.
Veja o outro Informativo (n° 80 ) " 11 equívocos e mal-entendidos quanto ao
conceito de ergonomia e sua prática."
no site da Ergo - Assessoria e Consultoria em Saúde Ocupacional.link:
Ergo - Av. Getúlio Vargas 668/ 1306 - Belo Horizonte - MG
* Médico, graduado pela Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, 1974.
Médico do Trabalho, UFMG, 1975, tendo exercido a especialidade durante 11 anos em empresa do setor metalúrgico, Belo Horizonte, tendo inclusive desempenhado o cargo de Gerente de Recursos Humanos.
Especialista em Medicina do Trabalho, com título reconhecido pelo Conselho Federal de Medicina; Prova de Título de Especialista em Medicina do Trabalho pela ANAMT (Associação Nacional de Medicina do Trabalho) em 1989.
DOUTOR EM ADMINISTRAÇÃO pelo CEPEAD - Faculdade de Ciências Econômicas, Belo Horizonte, Universidade Federal de Minas Gerais, 2000 – tendo desenvolvido a Tese de Doutorado a respeito do FENÔMENO LER/DORT NO BRASIL: NATUREZA, DETERMINANTES E PAPEL DAS ORGANIZAÇÕES E DOS DEMAIS ATORES SOCIAIS PARA LIDAR COM A QUESTÃO.
Ex-Diretor Científico da ANAMT (Associação Nacional de Medicina do Trabalho), gestões 1998-2001 e 2001-2004.
Professor Universitário de Fisiologia, da Faculdade de Ciências Médicas, desde 1975; atualmente coordenador da Disciplina de Fisiologia para o Curso de Medicina e de Fisiologia do Exercício para o Curso de Fisioterapia.
Coordenador Geral da Pós-Graduação em Medicina do Trabalho da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, Belo Horizonte
Coordenador do Curso de Especialização em Ergonomia Aplicada ao Trabalho – Lato Sensu- da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, Belo Horizonte.
Cursos no Exterior diversos, bem como estágios técnicos, no Center for Ergonomics, The University of Michigan, 1984, 1989, 1992, 1994,2000 e 2005
Estágios Técnicos em Ergonomia em Dortmund (Alemanha), Zurich (Suiça) e Nottingham (Inglaterra), 1989.
- Autor de livros sobre a Área de Ergonomia.
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